sábado, 8 de outubro de 2011

MORTALIDADE MATERNA


Quando a esperança vira riscoNúmero de vítimas de complicações da gravidez em BH aumenta 53% em um ano, puxado pelo crescimento das mortes nas redes particular e filantrópica

Valquiria Lopes
Publicação: 08/10/2011 04:00
 (Sxu)

Ao lado da preparação do enxoval e de todos os cuidados, mudanças e apreensões que envolvem a chegada de um bebê, as grávidas de Belo Horizonte têm um motivo a mais para se preocupar. O número de mortes de mães vítimas das complicações da gravidez, parto ou nos 42 dias que sucedem o nascimento, período conhecido como puerpério, aumentou em 53% na cidade entre 2009 e 2010, e se mantém alto em 2011 (11 mortes até agosto). No ano passado, foram 23 óbitos de mulheres até 49 anos nessas circunstâncias, 14 delas em hospitais do Sistema Único de Saúde e nove na chamada rede suplementar, formada por instituições particulares e filantrópicas. Essa elevação, puxada sobretudo pelos episódios ocorridos fora da rede conveniada ao SUS (veja quadros), se refletiu na taxa de mortalidade materna, projetada para um total de 100 mil crianças nascidas vivas: o índice da capital saltou de 50/100 mil para 74,3 grávidas mortas para 100 mil bebês nascidos vivos.

O número está ligeiramente abaixo da média nacional, de 75 mortes maternas para 100 mil nascimentos, mas muito acima do tolerado pela Organização Mundial de Saúde, de 20 óbitos/100 mil, e dos índices registrados em países como a Irlanda, que atingiu a marca de oito mortes para o mesmo número de partos em 2008.  Segundo a coordenadora da Comissão Perinatal da Secretaria Municipal de Saúde, Sônia Lansky, os dados são preocupantes diante das oscilações anteriores na taxa, que se mantinha entre 40 e 50 óbitos/100 mil nascidos vivos. Para ela, a situação representa um grande desafio para o serviço de saúde. 

Sônia Lansky sustenta que a rede SUS dispõe de recursos, tecnologia, conhecimento, faz treinamento do quadro de recursos humanos e dispõe de protocolos de atendimento. No entanto, a observância das práticas definidas como padrão deve ser aprimorada. “Durante o pré-natal, o parto e no puerpério, a mulher precisa ser bem acompanhada e, para isso, a relação entre o profissional e a paciente precisa melhorar. É preciso valorizar a queixa da usuária e oferecer o melhor e mais adequado serviço a ela, tudo  em tempo hábil”, aconselha. Conforme Sônia, mudar essa relação com a paciente ainda é um desafio tanto para a rede pública quanto para a particular, mas essa preocupação vem sendo abordada por meio de capacitações e programas de humanização do SUS. 

Sobre o fato de mais da metade das 23 grávidas que morreram em 2010 serem negras e solteiras, a coordenadora sustenta que aspectos como relações de poder e tratamemento mais adequado à educação sexual na juventude também estão sendo trabalhados na rede pública. Quanto à iniciativa privada, a especialista pondera que muitas unidades ainda não têm protocolos de saúde definidos e cada equipe médica tem uma forma de atendimento.

Conforme a coordenadora do Programa de Sobrevivência e Desenvolvimento Infantil do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), Cristina Albuquerque, o Brasil tem melhorado a notificação dos óbitos, o que também pode se refletir no aumento das notificações. No entanto, o país ainda precisa se empenhar muito, segundo ela, para atingir a meta global assinada junto à Organização das Nações Unidas (ONU) por diversos países em 1990, que prevê atingir a taxa de 35 óbitos/100 mil nascidos vivos. “O país está fazendo um grande esforço. Já melhorou o pré-natal, o acesso e a qualidade do serviço, mas ainda precisa evoluir ”, diz. 

DIREITO Por outro lado, Sônia Lansky adverte que a mulher também precisa procurar os serviços aos quais ela tem direito, para  ter uma gravidez tranquila. “Não há problema de acesso à rede pública. Não falta atendimento”, assegura. A afirmativa é reforçada por futuras mães como a doméstica Eliene Torres Silva, de 40 anos, grávida de cinco meses. “Moro em Ribeirão das Neves (Grande BH), mas faço meu pré-natal em Belo Horizonte. Desde que soube da gravidez, comecei o acompanhamento e já passei por várias consultas e exames. Os resultados mostraram que está tudo bem”, contou, com um sorriso largo no rosto.

A dona de casa Edneia dos Reis, de 20, grávida de cinco meses, também não abriu mão de manter o controle da gestação. “Fiz exames de sangue, urina, ultrassom e passei por um grande interrogatório de saúde.” No entanto, ela afirma que na gravidez da primeira filha presenciou enfermeiras tratando mal grávidas que gritavam de dor durante o parto. “Uma delas teve o filho na cama onde aguardava para ir para o bloco cirúrgico”, contou.

Entre as causas de infecções que podem resultar em morte pós-parto, a coordenadora da Comissão Perinatal da Secretaria de Saúde lista ainda a opção pela cesariana, em detrimento do parto normal. “Das 23 mortes registradas no ano passado, verificou-se que em dois casos não havia indicação para a operação. Em gestações posteriores a cesarianas, o risco de hemorragias aumenta, porque a placenta volta a se acomodar de forma anormal. As mulheres precisam melhorar a informação sobre os benefícios d o parto natural”, diz. Na gravidez do segundo filho, Eliene diz que não quer repetir a cirurgia do primogênito, feita há 20 anos. “No parto normal a recuperação é bem mais rápida. Não tenho restrições para fazê-lo”, afirma. 


Óbitos maternos

Causas                           2006    %    2010    % 
Complicações no aborto    5    33,3    3    13
Síndromes hemorrágicas    4    26,7    2    8,7
Sindromes hipertensas      1    6,7    6    26,1
Infecção puerperal             1    6,7    1    4,3 
Cardiopatias                      0    0    3    13
Tromboembolismo             0    0    2    8,7
Outras                              4    26,7    6    26,1 
Total                                15    100    23    100 

Mortes maternas No sistema público e suplementar 

     2006     %     2007     %     2008     %     2009     %     2010     %
SUS    13    86,7    11    84,6    14     87,5    10    66,7     14    60,9 
Suplementar     2    13,3    2     15,4    2    12,5    5    33,3    9    39,1
Total    15    100    13    100    16    100    15    100    23    100 
Fonte: Comitê de Prevenção do Óbito Materno, Fetal e Infantil

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