quarta-feira, 13 de novembro de 2013

25 anos de Pastoral da Criança

No décimo aniversário da fundação da Pastoral da Criança, a Dra, Zilda Arns Neuman redigiu uma carta dirigida aos líderes e coordenadores da Pastoral. Hoje, ao comemorarmos nosso Jubileu de Prata, publicamos essas palavras, reafirmando nossa missão de “instrumento de paz e justiça contra a fome e a miséria”, como bem definiu a nossa fundadora, e desejando a todos: Paz e bem!
Rita Jardim Carnevalli – Coordenadora Arquidiocesana

Carta Dra. Zilda Arns Neuman:
 Querida Líder
 Querida Coordenadora
 Paz e Bem!
 Hoje, escrevo a você com o mais profundo sentimento: gostaria que o seu coração me ouvisse e me respondesse. Trata-se de um pouco da história do começo da Pastoral da Criança, há 10 anos.  Quando recebi o convite de trabalhar com a Igreja para salvar a vida de crianças pobres e, com isso, ajudar a dar novo rumo a meu país, senti dentro de mim a maior ternura e vontade que alguém pode sentir. Cheguei em casa, chamei meus 5 filhos, o mais velho tinha 20 anos e a mais nova 10, e lhes expliquei o que seria, e que isso implicaria viagens; se eles me autorizavam a assumir essa missão. Isto significaria que eles teriam que assumir com responsabilidade suas vidas, seus estudos, sem a minha presença constante (o pai já havia falecido há 7 anos).
 Assim, em setembro de 1983, começou o trabalho em Florestópólis, município da Arquidiocese de Londrina/Paraná, onde o Arcebispo Dom Geraldo Majella Agnelo e eu começamos a primeira experiência com famílias, a maioria bóias-frias, que trabalhavam, em épocas, com cana-de-açúcar, em outras, com café e algodão. Em abril de 1984, fui convidada por Dom Luciano Mendes de Almeida (que na época era Secretário-Geral da CNBB e agora presidente) a apresentar essa experiência na Assembleia dos Bispos em Itaici. Falei com entusiasmo do trabalho das líderes com as famílias vizinhas e, quando acabei, Dom Francisco
Austregésilo, Bispo de Afogados da Ingazeira, de Pernambuco, falou alto no microfone e disse que era essa a melhor coisa que levava de Itaici para o sertão sofrido do Nordeste. Mas me perguntou: de que jeito aquelas mães desnutridas iriam amamentar os seus filhos? Tinha ele um projeto que comprava leite para as crianças, ao que lhe respondi que esse deveria ser dado às mães, a fim de terem mais leite de peito para seus filhos, e não às crianças, pois o leite da mãe era de insubstituível valor. Começava, então, a se desenhar a expansão da Pastoral da Criança, que foi um desafio constante; muitas alegrias, uma riqueza de conhecimentos, de amizade, mas, às vezes, parecia-me que o próprio diabo queria atrapalhar a caminhada pela Vida Plena.
 Um dia, depois de uma longa viagem, as atitudes de algumas pessoas me abateram e “pensei com os meus botões”: por que não querem que essa Pastoral salve a vida das crianças? Por que não reconhecem que ela organiza comunidades e confia nelas, para que distribua seus próprios dons, tudo o que sabe e possa avaliar o seu trabalho, sendo que Jesus nos ensinou isso na partilha dos pães e peixes? Cheguei até a pensar que talvez fosse porque eu não era morena e era médica. Por isso rejeitavam a missão que Deus me havia dado. Você também já teve momentos desses?  Estava nesse momento chegando em São Luís do Maranhão e Frei Eurico Loher, padre franciscano, e Irmã Speciosa, capuchinha, levaram-me a visitar a Vila Conceição, da favela do Coroadinho, a primeira experiência naquela cidade. Eram casinhas de barro, faltava água, miséria absoluta. Quando cheguei na capela, as líderes e suas famílias estavam me esperando felizes e jogavam pétalas de flores e me beijavam com todo o carinho que até hoje sinto os seus beijos no meu pescoço, pois a desnutrição de gerações as havia deixado bem mais baixas. Olhei as crianças, lindas, sadias, alegres e ouvi os milagres que contavam com as gestantes que davam à luz a crianças fortes, o soro caseiro salvando vidas, o leite de peito e o dia do peso, o grande dia mensal da celebração da vida na comunidade.
 Falei então com Jesus e disse a Ele: Você está vendo? Não é esse o caminho que Você escolheu para salvar as crianças e as famílias do Brasil? Você viu a alma dessas mulheres, que mesmo não tendo o que comer, repartem o que têm, até o tempo que não têm para salvar vidas para sempre, unir famílias, dar esperanças, iluminar o caminho do futuro?
 E a semente da Pastoral da Criança foi se estendendo, de forma lenta e sempre; a cada mês, em mais comunidades essa árvore crescia. Apesar de brotar tão bem, regada por sol e chuva, o diabo continuava atentando e perguntava irônico: como implantar a Pastoral nesses bolsões de miséria, quando nelas você não encontrava líderes da Igreja, e que muitas vezes sobrevivem da prostituição do corpo ou da alma, em nome da miséria? Perguntei então a Jesus:  Você nos ensinou que veio para que Todos tenham vida, sem restrição. O sangue e o suor esparramado por esses coordenadores e líderes, em nome da caridade, não vale mais? Elas por acaso não são as prediletas de Deus, as santas dos dias de hoje, porque doam suas vidas, o maior mandamento que Você, Jesus, nos deu?
 Lá adiante, outro diabinho perguntava: escute, isso que a Igreja está fazendo não é dever do governo, por que ela está se metendo nisso? Perguntava eu então a Jesus: se as mães e as famílias aprendem mais sobre como educar as suas crianças, cuidar da saúde, da fé, não é importante para libertá-las da miséria, da fome e da pobreza? Não poderá o governo cuidar melhor da saúde e da educação se a família aprender a prevenir doenças e a comunidade se unir para reivindicar as ações necessárias para ter uma vida digna?
 Na verdade, querida amiga, foi a mística cristã que você traz no seu coração que faz da Pastoral da Criança o que hoje ela é; que todos respeitem e venerem a você, que é o instrumento da paz, da justiça, contra a fome e a miséria.
 Gostaria de contar ainda a você que foi muito importante para mim e para toda a Pastoral da Criança o apoio do Bom Pastor, Dom Geraldo Majella Agnelo; acompanhou ele com tanto carinho, durante 8 anos a caminhada, seguido depois por Dom Alfredo Novak durante um ano e, agora, Dom Aloysio Penna, que valoriza tanto a família, a saúde e a educação como instrumentos de mudança em nosso país.
 Por hoje termino, pedindo a Deus que abençoe muito a você e a toda sua família e a comunidade. Que você e nós todos tenhamos a graça da paz e da perseverança, pois o país vai mudar a partir do nosso esforço em favor da vida.
 Parabéns a você e muito obrigada por tudo o que faz. Coragem!
 Com carinho, abraço a Você e a toda a sua família.

Zilda Arns

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